Casa de Hades – Capitulo X – Clarisse

O acampamento estava agitado como só estivera durante a guerra contra Chronos, na ocasião em que o local fora invadido por monstros, mesmo apesar da barreira mágica. Semideuses iam e vinham para todos os lados cuidando de diversas funções: cavar trincheiras nas rotas mais prováveis de marcha dos romanos para atrapalhar seu avanço e formação, ajustar armaduras para campistas, afiar espadas e pontas de lança. Um conselho de guerra fora convocado por Quíron, reunindo Argos e os campistas mais experientes do acampamento para a criação de uma estratégia de defesa; Malcolm, Will Solace, Jake Mason, os irmãos Stoll e Lou Ellen. Butch, do chalé de Írís estava ocupado com as comunicações e na ausência de Piper o chalé de Afrodite estava bem desorganizado naquela bagunça toda. Na liderança de todos aqueles semideuses estava Clarisse La Rue, a matadora de Drakons, filha de Ares. Ela não estava particularmente feliz com a organização naquele momento, mas como diziam por aí, era o que tinha pra hoje. Ela também não entendia o quê diabos aquela filha de Hecate estava fazendo no conselho de guerra, mas ela esperava que o elenco de Harry Potter que tinha se mudado para o acampamento pudesse fazer algo por todos.

Na grande tenda que havia sido erguida no centro da área dos chalés no acampamento o “conselho de guerra” estava reunido, decidindo quais seriam as próximas ações a serem tomadas. Era visível que as águias Romanas estavam sobrevoando o acampamento cada vez com mais frequência – embora elas não pudessem ver nada devido à barreira de proteção providenciada pelo Velocino de Ouro – mas alguns batedores do acampamento já haviam avistado batedores Romanos pelas florestas naquela região. Para que eles encontrassem o acampamento era apenas questão de tempo. E pouco tempo.

– Estou dizendo Clarisse! É impossível providenciarmos todos esses reparos à tempo e manter a produção de armas! Mesmo com a ajuda do irmão do Percy, que é uma grande ajuda.
– Nós temos campistas sem armas decentes lá fora Mason! – ela bateu na mesa – como você espera que nós sejamos capazes de mandar aqueles Romanos de volta pro buraco de onde eles saíram sem o básico?
– Precisaremos de uma estratégia melhor do que partir para o ataque insano, só isso. – Lou Ellen deu de ombros – não sei se você percebe Clarisse, mas nem todos os campistas tão combatentes corpo a corpo, ou mesmo combatentes.

Os outros membros concordaram silenciosamente. A menina bufou, voltando a se sentar. Ela tinha que fazer as coisas direito daquela vez. Todos estavam contando com ela.

– Se você tem uma sugestão eu gostaria de ouvir, bruxa.
– A maioria dos membros do meu chalé já estive num campo de batalha de verdade, contra semideuses. – ela se levantou para poder indicar as linhas de defesa que tinham sido planejadas no mapa – nosso equipamento é leve então nos movemos mais rápido do que todos. Sugiro meus melhores campistas fiquem à postos aqui, de onde podemos partir para qualquer linha com facilidade, pra auxiliar na defesa com nossas magias. Mas ficaremos na retaguarda da formação, eu não vou mandar nenhum deles pra vanguarda. Não depois de tudo.
– Não depois de tudo? – a filha de Ares ergueu uma sobrancelha – não fale como se apenas vocês tivessem perdido com a última guerra.
– Eu tenho perfeita noção disso. – os olhos da filha de Hecate cintilaram verdes quando ela olhou nos olhos de Clarisse – mas nem todos nós nos reerguemos como você.

A filha de Ares tomou fôlego para responder quando um campista apareceu afobado, parando para respirar antes de começar a falar; Clarisse o reconhecia como sendo um novato do chalé de Apolo, Ryan alguma coisa, designado como batedor dias antes.

– Capturamos um batedor inimigo perto da Colina Meio-Sangue!
– Um batedor Romano!?
– Como assim?
– Eles chegaram aqui antes do esperado!!
– Deixem que ele termine de falar! – a voz de Clarisse sobressaiu à dos outros
– Austin e Michael estão com ela perto da Árvore de Thalia. Achamos melhor avisa-los antes de tomar outras atitudes.
– Isso é ótimo Ryan. – Solace se levantou, precedendo os pensamentos e atitudes de todos naquele momento – Vamos até lá.
– Ryan, traga aquele campista esquisito de Hypnos até a Colina. – Clarisse deixava a tenda na frente do grupo – Temos perguntas que precisam de respostas e não quero correr o risco dele mentir para nós.
– Certo!

O conselho de guerra inteiro atravessou o acampamento com pressa, com excessão apenas de Argos, que estava cumprindo algumas tarefas para Quíron, aparentemente. Era possível ver os campistas de Apolo ao longe na colina, junto com uma jovem vestindo uma versão leve do uniforme da Legião Romana. A camiseta roxa contrastava com os cabelos ruivos como o fogo, que contrastavam ainda mais com os olhos verde-vidro da moça. Ela estava sentada no meio dos campista de Apolo, braços apoiados sobre os joelhos flexionados. Ela se levantou com a aproximação do grupo.

– Então… é assim que vocês tratam prisioneiros de guerra? – Clarisse apontou a menina romana, que estava livre, leve e solta
– Ela estava desarmada e se entregou. – Austin trocou o peso de uma perna para outra, dando de ombros – não é exatamente como se ela parecesse perigosa ou quisesse fugir também.
– Ah claro… e você é do tipo que ainda acredita em Papai Noel, pelo visto. – ela revirou os olhos, encarando Solace em seguida, como se aquilo fosse culpa dele de alguma forma indireta ou direta
– O que importa – ele revirou os olhos – é que estamos todos aqui. Michael, Austin, podem voltar pra ronda. Nós assumimos daqui.
– Beleza!
– Falou.
– Quanto a você… – Lou Ellen encarou a ruiva – qual é seu nome, semideusa?
– Sam Whedon. Sou batedora da legião Fulminata, da quarta coorte.
– Filha de…?
– Trívia, como os melhores batedores. – ela sorriu alegremente

Clarisse, assim como os outros campistas, estava tentando entender se ela era daquela maneira sempre, ou se estava tentando distraí-los. Logo em seguida Ryan apareceu trazendo Clovis, que parecia ter acabado de acordar. O menino ainda tinha os olhos inchados de sono e coçava a nuca displicentemente.

– Então, parece que vocês precisam de mim para algo. – ele bocejou
– Vamos levá-la até o acampamento para interrogá-la. – Clarisse começou indicando Sam, sem delongas – precisamos que você nos diga se ela mentir ou não.
– Não é exatamente assim que meu poder funciona, eu não sou um polígrafo. – ele bufou – eu teria que vasculhar as memórias dela depois que ela respondesse as perguntas pra comparar o que ela respondeu com o que ela lembra.
– Então que seja.

Clovis não pareceu feliz ou à vontade com o pedido, mas nenhuma das palavras parecia ter abalado a batedora. O grupo cruzou o acampamento sob o olhar curioso dos campistas que, a essa altura, já deviam saber o que estava acontecendo e quem havia sido capturado. Solace e Mason seguravam a jovem romana, um de cada lado, enquanto Clarisse seguia à frente, junto com Lou Ellen. A filha de Ares percebeu que a conselheira do chalé de Hecate tinha se calado depois que a batedora dissera ser filha de Trívia, a contraparte romana de sua mãe divina e, portanto sua meia-irmã. Ela não sabia o que pensar de Ellen além do fato de ser uma conselheira aparentemente bem quista por seu chalé e não demonstrar nenhuma habilidade proeminente em combate com espadas, lanças ou arcos. Afastando aqueles pensamentos da mente ela procurou se concentrar naquilo que estava à sua frente. A batedora. Ela parecia extremamente calma naquela situação e o fato de ter-se deixado capturar não inspirava nenhuma confiança em Clarisse. Decidiu por conduzir o grupo até a arena, onde seria fácil montar uma estratégia de defesa caso a moça criasse qualquer confusão. Antes de preparar o interrogatório pediu para que Malcolm trouxesse alguns arqueiros para formarem uma linha de tiro na arquibancada da arena. Se qualquer coisa estranha acontecesse, ele podia atirar quantas flechas acreditasse serem necessárias. Trazer um batedor para dentro do acampamento significava não deixa-lo ir embora para contar o que viu de forma alguma.

Ela, Ellen e Clovis ficaram para o interrogatório. Os irmãos Stoll sumiram logo depois do encontro com a batedora, provavelmente indo espalhar a notícia pelo resto do acampamento.

– Então… pode começar dizendo porque decidiu se entregar, como Austin e Michael disseram.
– Eu não concordo com essa guerra. Muita gente vai se machucar e até mesmo morrer sem uma causa justa pela qual arriscar a vida.
– Sem uma causa pela qual se arriscar? – a filha de Ares cruzou os braços – eu marcharia em direção ao Acampamento Júpiter, sozinha se fosse preciso, caso fossemos nós os atacados pelas armas do Argus II.
– E deve ser por causa de alguém como você que estamos todos aqui agora. – ela parecia ultrajada com a resposta de Clarisse – Não percebe que somos todos da mesma família, de um modo ou de outro? Você mataria filhos de Marte e legados por causa de um incidente que não matou ninguém?
– Ela tem um ponto. – Lou Ellen saiu de seu breve voto de silêncio. Teria sido melhor ficar quieta
– Você é filha de Hecate, não é?
– Sou.
– Lou Ellen?
– Como você sabe esse nome?
– Eu sei por que os biscoitos que a Titânia faz são os melhores do mundo.

Os membros do acampamento meio-sangue presentes encaravam a filha de Trívia, perplexos. Lou Ellen parecia ter ouvido algo muito inesperado.

– Como você…?
– Rua Luquer, Brooklin. É como eu sei.

Lou Ellen concordou silenciosamente. Clarisse não estava entendendo mais nada. Clovis quase caiu, cochilando sentado na arquibancada, mas acordou a tempo de não se esborrachar no chão.

– Ellen é melhor você dizer o que isso significa logo, ou eu mesma vou descobrir à força.
– É uma história longa demais para explicar inteira.
– Faça um resumo então.
– Alguns filhos de Hecate moravam na rua Luquer, antes de se dividirem na guerra contra Chronos. Eu não conheço o lugar, mas conheci uma semideusa que viveu lá e se esta romana veio do mesmo lugar, ela é confiável.

Para Clarisse, aquela fora a gota d’água. Uma pessoa normal talvez tivesse tentado contar até 10, respirado profundamente, talvez até mesmo teria esfregado o rosto algumas vezes, tentando se conformar com o que ouvira. Mas ela não… ela era a matadora de Drakons, uma das mais poderosas e intolerantes filhas de Ares. E Lou Ellen tinha passado do limite.

– VOCÊS ESTÃO DE CURTIÇÃO COM A MINHA CARA!! Vocês realmente esperam que eu acredite nessa explicação absolutamente sem sentido e cheia de misteriosinhos entre filhos de Hecate?!
– Você queria o quê?! Uma carta de recomendação?! – Lou Ellen colocou as mãos na cintura, esbravejando também

Clovis despertou com a gritaria, mas logo se arrumou na arquibancada e dormiu denovo. A romana teve um ataque de risos.

– Ahahahahahaah!! Desculpem, desculpem mesmo vocês duas! – ela mal conseguia falar entre os risos – é que… fiquei pensando como seria se minha irmã escrevesse uma carta de recomendações e isso é tão longe de qualquer possibilidade que fica engraçado!

De certa forma, aquilo foi o suficiente para dissipar a tensão instaurada entre a filha de Ares e a filha de Hecate. Depois de secar as lágrimas de riso, a jovem prosseguiu.

– Bem… eu entendo a sua desconfiança – ela observava Clarisse com seus olhos verde-oliva – eu provavelmente desconfiaria muito mais. Mas a única coisa que eu posso oferecer como garantia é a minha palavra em nome do rio Estige.
– Pra mim, basta. – Lou Ellen deu de ombros – Por precaução podemos designar alguém para vigiá-la, pra evitar que ela se comunique com alguém de fora e tudo mais. No momento, precisamos de toda a ajuda que pudermos ter.

Não havia argumentos contra aquilo.

– Você vai ficar longe do acampamento e dos nossos preparativos para a batalha. Acho que Quíron vai concordar em deixá-la na Casa Grande. – Clarisse cruzou os braços em frente ao peito – Você não deverá se dirigir a nenhum campista que não aqueles que designarmos para te vigiar e deve falar só o necessário com eles também. Vai responder todas as nossas perguntas referente às estratégias romanas sem nem piscar.
– Posso fazer melhor do que isso. – ela tirou um pedaço de papel dobrado, um mapa – essa é a cópia do mapa que entreguei para a líder do ataque, com a melhor rota para invadirem o acampamento.

Clarisse observou o mapa por algum tempo. De fato, ele era muito fiel em questões geográficas, além de conter informações sobre o Campo de Morangos, a Colina Meio-Sangue e outros locais. Mas o mais curioso era a rota indicada.

– Por quê pela costa? Isso não… – mas ela não conseguiu terminar de falar
– Eu sei que não faz o menor sentido.

E ela sorriu misteriosamente. Lou Ellen, que observava o mapa por cima do ombro de Clarisse sorriu também.

– De repente planejar um contra-ataque ficou tão… pouco emocionante.
– Você quer emoção Ellen? – a filha de Ares a encarou – lute do lado dos Romanos, porque emoção é o que não vai faltar para eles.